Thursday, December 21, 2017

O PAPEL DA MÍDIA NA CRIAÇÃO DO MEDO DO CRIME

            Sabe-se que a mídia televisiva é uma concessão pública no Brasil, isto é não é qualquer um que pode abrir uma emissora de televisão. Pois existem critérios que definem um perfil de administrador e que isso passa por um aval político. Sendo assim se você pretende abrir um canal aberto de televisão aberta no Brasil, deve pedir autorização ao governo e para tal muitos dos atuais “donos” de canais abertos dependeram de favores políticos para conseguirem obter tal concessão, com isto demonstra-se de que a mídia formadora de opinião não é livre e sim sujeita a interesses governamentais.
            Há também por trás da mídia quem a mantém, do que sobrevive um canal de televisão, como que ele ganha dinheiro para se manter. Isso ocorre por meio da venda de horário e espaço para comerciais. Sendo assim grandes corporações compram esse caros espaços de propaganda para exibição de seus produtos e suas ideias. Nota-se assim que um canal de televisão não pode fazer propaganda contra de quem o permitiu funcionar (o governo) e tampouco de quem o sustenta (grandes empresas e corporações). A mídia então não é livre para expressar e investigar aquilo que ela bem entender, ela está a serviço de seus patrocinadores e distorce assim a realidade para a população.
            A mídia assim sendo entra com um papel fundamental de controle social, por meio da criação da sensação de medo na população, o que faz com que a mesma não preste atenção em assuntos de interesse geral e se limite em resguardar-se para que nada de mal ocorra com a  mesma. E para que serve o controle social que pode ser exercido pela mídia? Para tal caracterização será necessário citar o que vem a ser controle social, de acordo com BOTTOMORE e OUTHWAITE (1996):

Esse conceito descreve a capacidade da sociedade de se auto-regular, bem como os meios que ela utiliza para induzir a submissão a seus padrões. Repousa na crença de que a ordem não é mantida apenas, nem sequer principalmente, por sistemas jurídicos ou sanções formais, mas é, sim o produto de instituições, relações e processos sociais mais amplos.


            Com a caracterização feita anteriormente, nota-se que a mídia por meio de seus telejornais e programas policiais exerce sim um papel de controle social na criação do medo na população e no direcionamento do foco das informações. Pois a ênfase dada aos atos de violência criminal ao cidadão é maior maior do que a o espaço das matérias de corrupção que caracterizam-se também como uma violência simbólica contra o contribuinte.
            O medo é caracterizado por BORGES (2011) como uma emoção, a qual é construída por meio do convívio social humano. Sendo assim muito dos tidos como “medo” podem ser reais e produtivos, ou imaginários e destrutivos. Não quer dizer aqui que a violência seja algo fictício inventado pela mídia, mas que esta a exponencia numa proporção a qual não é real. Crimes ocorrem sim a toda hora e em qualquer local, mas não pode ser isso que seja motivo de criar toda uma indústria da segurança privada e o medo em sair de locais tidos como seguros, que afastarão o sujeito do convívio social.
            Por meio da criação do medo de assaltos a residências por exemplo a construção de condomínios fechados e com segurança privada aumentou exponencialmente no Brasil nos últimos anos. O que não impede atualmente que os bandidos invadam essas propriedades e efetuem arrastões, no qual essa camada da população acaba sendo de certo modo violentada. Apenas dá um ar de maior segurança, mas não garante que a mesma exista de fato.
            Sendo assim a violência não é um fenômeno isolado, uni causal e se manifesta sob diversas formas. De maneira geral, essas formas de violência ganham visibilidade e disseminação nos meios de comunicação, tanto na ficção quanto no jornalismo, tanto em texto quanto em imagens. A mídia deve ser entendida aqui como instrumento de controle social que contribui ou não para que o Estado assuma seu papel.
            Nota-se que a mídia não se preocupa em manter uma programação de qualidade a qual faça com que o indivíduo se liberte de seus medos e suas amarras, muito pelo contrário esta lucra significativamente para que este permaneça alienado e temeroso ao que pode ocorrer com ele em contato com o mundo exterior. Com isso cada vez mais aumenta o índice de indivíduos com fobias sociais e neuróticos com segurança.
            A mídia detém o privilégio do alcance  de toda a população, uma vez que por se tratar de uma comunicação áudio-visual não é necessário ser alfabetizado para ter acesso a mesma. Falta-lhe encontrar seu verdadeiro sentido de indutora da cidadania, ou seja, despertar no indivíduo o interesse pelo bem comum, pelo bom funcionamento das instituições, pelo bem-estar da coletividade. Mas não convém a esta ( a mídia) favorecer o desenvolvimento de uma consciência crítica.
            Como a televisão no Brasil pertence a uma elite, ota-se que esta utiliza-se desse mecanismo da criação do medo, para esconder os grandes escândalos de desvio de dinheiro do governos, de acordos entre governo e grandes corporações e da falta de investimento do governo em muitos setores públicos. Sendo assim o indivíduo preocupa-se mais com os casos de violência urbana, recordando-se assim de casos considerados de pessoas tidas como monstros (Caso Nardoni, Caso Suzane Von Richtofenentre outros), do que propriamente em acompanhar o que o político no qual ele votou na ultima eleição está fazendo em benefício da população. Tornando assim a violência um espetáculo popular o qual  tem tanta audiência como os esportes populares no Brasil, no caso o futebol.
            A violência retratada pela mídia joga questões de julgamento para a cidadão. Lembre-se aqui do caso da jovem Eloá Cristina, a qual foi feita refém no próprio apartamento com mais 3 amigos e morta pelo ex-namorado (fato ocorrido em outubro de 2008). Esse caso foi televisionado do início ao fim pela mídia. Foi um espetáculo nacional, todos os jornais e programas policiais falavam do caso em tempo real e davam noticias de tudo o que ocorria. O que prejudicou inclusive a atuação da polícia , uma vez que esses programas interagiam com o rapaz via telefone e esse assistia tudo o que ocorria do lado de fora do cativeiro pela televisão.
            Esse fato rendeu assunto por uns três messes como mínimo para a mídia na época, e até hoje é assunto, pois ainda está em processo de julgamento. O que é de se chamar atenção é que fatos como esse ocorrem rotineiramente e não ganham a mínima importância. Apenas quando é interesse da mídia e de políticos. Assim como outros casos de violência extrema que chocam, mas que possuem uma certa identificação social com o público de audiência da televisão aberta, ganha ênfase para que assim torne-se um espetáculo e todos de certo modo se identificam com a dor dos familiares das vítimas.
            O interesse em tornar esses casos de grande identificação popular num espetáculo, serve também para aumentar a audiência o que faz com que o preço cobrado pela propaganda vinculada a esses programas subam de preço. Uma vez que estão sendo assistidos por um número maior de pessoas e dando assim maior visibilidade aos produtos ali exibidos.
            É muito comum que tanto os programas policiais como os telejornais façam em cada caso toda uma dramatização da cena do crime com auxílio da computação gráfica, com o intuito de por o telespectador dentro da cena do crime e que assim ele poder emitir de certo modo um juízo de valor sobre o fato. Funcionando assim a mídia como uma formadora de um pré julgamento antes mesmo da conclusão do inquérito policial, pois além de toda essa dramatização a mesma coleta depoimentos de familiares e conhecidos tanto da vítima como do apontado por ela como algoz. Trabalhando assim com a mesma dinâmica de um julgamento oficial e colocando a população na posição privilegiada de juri, a qual condena ou não a atitude do sujeito antes mesmo deste ir para o julgamento e antes mesmo da apreciação de todas as provas do fato.
            Fica aqui o questionamento, até onde a mídia pode noticiar um fato sem interferir no julgamento do mesmo. Como desenvolver uma mídia que não cause um desserviço para a população e não se utilize dos seus mecanismos como forma de alienar e angariar mais fundos para a sua tão lucrativa função. É uma situação delicada, pois cada vez que se fala em um código de ética para a mídia, a mesma joga para a população de forma a dar a entender que está sendo censurada e que como isso pode ocorrer num Estado livre e democrático.
            O questionamento fica ainda mais intenso quando nota-se que quem detém o poder da mídia cria mecanismos de controle por meio dela, através da dominação do medo, mexendo assim fortemente com o imaginário popular e distanciando as pessoas assim de uma sociabilidade. Pois causa assim o medo do outro, o outro pode ser um assassino em série, ou um violentador de criancinhas de acordo com o perfil traçado pela mídia com o auxílio de “especialistas” entendidos do assunto.
            Por meio dos argumentos apresentados ao longo deste artigo, pode-se perceber de que o medo com relação a violência urbana é socialmente construído, e fortemente influenciado pela ênfase midiática dada ao tema. Evidenciando assim que a mídia transpõem também a realidade desigual da sociedade e a sua hierarquização.
             A mídia exerce um importante papel no desenvolvimento de orientações culturais, visões de mundo, crenças, valores e imagens (geralmente estereotipadas). O fato é que a TV domina a vida das crianças e adolescentes, pois estes passam horas diante da televisão, sendo assim bombardeados por todo e qualquer tipo de informação por ela prestada.  E na televisão aberta quando um fato de grande monta como os já citados anteriormente acontecem, algumas emissoras interrompem qualquer que seja a programação, para não perder o furo de reportagem e assim garantir o seu alto índice de audiência. Não se importando nem mesmo se é o horário da programação infanto-juvenil. Com isto, pode-se caracterizar-se o medo pelo crescimento do sentimento de vulnerabilidade dos indivíduos, o qual pode ser creditado em grande parte pela mídia a qual noticia os fatos e também os torna um espetáculo teatralizado para o grande público.
            Sendo assim uma pessoa que se mantém sem assistir televisão não possui a mesma sensação de insegurança do que outro que assiste diariamente. Pois este que não assiste, apenas se itera da violência cercana e não de crimes os quais ocorrem em localidades por ele nunca imaginadas e tampouco visitadas. A rotina dele se torna mais tranquila e menos carregada de preocupações com relação a violência do que o sujeito que assiste programas policiais.
            Deve-se tomar muito com relação ao papel da mídia ante a violência urbana, pois esta também não pode fingir de que isto não existe, mas sim tratar do tema com maior discernimento, por exemplo buscando quais são os fatores sócio-econômicos que fazem com que exista essa violência e buscar com a comunidade prováveis possíveis soluções para a problemática. Sem fazer da violência um teatro dramático com roteiro de telenovela.
            E que  a criação do medo não funcione mais como uma “cortina de fumaça”, a qual serve para desviar a atenção da população de temas importantes (corrupção, educação, saúde pública …) para que esta fique alienada a pensar apenas na sua segurança em particular.  Para que assim a mídia exerça uma função social de mobilização social para o debate de problemas públicos, por meio de seu espaço midiático e sua abrangência.
            Acredita-se que se o atrelamento ao governo fosse reduzido e também o espaço de comercialização também fosse reduzido, em compensação receberia uma parte em patrocínio público. Pode ser que assim esta não precisa-se lutar tanto por audiência e submeter os seus telespectadores a assistirem casos tão fora do normal. Pode ser que assim talvez melhorasse a qualidade programática da televisão aberta no Brasil.
            Contudo há muito que se desenvolver sobre mídia no Brasil, tendo em vista que o país ainda importa muitos formatos de programas do exterior e não busca em muitos casos produzir ideias próprias para o público ao qual ela atende. Então enquanto isso ocorrer dificilmente haja uma mudança significativa na mídia televisiva do Brasil.














Referências

OUTHWAITE, W.; BOTTOMORE, T. (eds.). Dicionário do pensamento social do século XX.Rio de Janeiro: Zahar, 1996.

SENTO-SÉ, João Trajano. Violência, medo e mídia: notas para um programa de pesquisa. In: <www.lav.uerj.br/docs/art/jt/jt_2003-COMUM.pdf >. Acesso em: 10 jun. 2012.


WACQUANT, Loïe. Insegurança social e surgimento da preocupação com a segurança. In < www.panoptica.org/panpticaedio19julho2010/19_8.pdf > . Acesso em: 10 jun. 2012.

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